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ATÉ ONDE VAI O PLANEJAMENTO TERRITORIAL?
23/05/2019

Julian Marias foi um dos embaixadores espanhóis junto ao governo norte-americano entre as décadas de 1950 e 1960, época de tensões internacionais pós-guerra (a segunda em escala mundial daquele século, que esperamos ter sido a última, para sempre), e de realinhamentos em blocos antagônicos de poder, mas também da permanência de sentimentos muito mais construtivos, alguns dos quais ajudaram a humanidade a atravessar as ameaças que a rondavam. E um destes foi o encantamento do homem diante do mundo, algo maior, acima e além dele, mas também dentro dele e, portanto, íntimo, familiar e amigo: um encantamento dando significado à vida humana, não menos necessário que o desejo de sobrevivência ou de progresso.

Foi o que aconteceu com aquele diplomata, vindo de uma Europa necessitada de reconstrução – mesmo seu país, que não participara diretamente do conflito entre 1939 e 1945, ainda sofria as consequências de uma guerra civil não menos devastadora – e, trabalhando então no que alguns continuavam chamando de “Novo Mundo”, se mostrava encantado com uma nação de dimensões continentais, onde tudo parecia amplo, aberto, quase infinito, diferente de onde ele vinha e se podia atravessar um país inteiro em um dia de viagem, e até conhecer mais de um país em um mesmo dia, se o trem fosse rápido o bastante. Para sorte nossa, ele deixou suas impressões em um livro, publicado no Brasil em 1964, pela Editora Presença, com o título Um Mundo Novo – Estados Unidos.

Em um dos capítulos, ao descrever seu assombro diante das cidades norte-americanas (tão diferentes da Madrid de 1955) que, a partir de seu centro, espalhavam autoestradas em direção a subúrbios chegando até o horizonte, e talvez mais longe que isto – referia-se especificamente a Los Angeles, que começava na Califórnia, mas com limites urbanos que se podia imaginar irem até o meio do vizinho estado do Arizona, segundo uma caricatura de jornal que ficou famosa -, o autor recorreu a uma história ouvida na Espanha, sobre uma criança que perguntou ao pai o que era o mundo, e este respondeu ser algo muito, muito grande, mas coberto até a borda de muitas coisas pequenas. Julian Marias concluiu dizendo não saber se esta era a melhor definição do mundo, mas cabia bem para entender esta nova forma de cidade abrangendo desde o objeto imediato, ao alcance da mão (automóveis, por exemplo) até a imagem invisível (galáxias urbanas que poderiam ser comparadas a pinturas abstratas).

Mais de meio século depois, e por causa de intercâmbios em escala global, esta versão californiana pioneira de área urbanizada quase ilimitada apareceu em outras partes do mundo, inclusive entre nós, quando vemos como os limites da cidade do Rio de Janeiro foram ampliados para além da dimensão política do município, tornando necessário pensar a capital de nosso estado como centro de uma região. Metropolitana primeiro, pela relação próxima com outras cidades a ela ligadas por continuidade de construções e movimentos de gente em busca de trabalho e serviços necessários à vida em comum (desde educação e saúde até a alimentação de nossas almas), mas não se detendo na escala do metropolitano, nem de uma única região, pois ser centro da administração pública implica ocupar-se de todo e qualquer local onde seus cidadãos estejam, e eles estão em várias regiões, tão diferentes entre si quanto são complementares, de vez que todos têm sua importância e necessitam uns dos outros.

Na sociedade democrática, o administrador é escolhido para servir necessidades presentes e futuras, antecipando o bem estar dos cidadãos: ele pensa no todo, e em todos, utilizando os recursos à disposição. Mas como fazer isto? E até onde? O Instituto Estadual de Engenharia e Arquitetura do Rio de Janeiro, com o recurso técnico do planejamento em escala urbana e regional, portanto, abrangendo todo o território, inicia a partir desta semana uma série de artigos para refletir sobre o potencial de fazer progredir o ambiente de vida de nossa população, começando por esta pergunta que lhe dá título. E, de modo a garantir a curiosidade do leitor, tal como fazem livros e peças de dramaturgia, esta pergunta terá uma primeira dentre muitas respostas possíveis, posto que a técnica sempre deve ser acompanhada de diálogo e consenso, na segunda parte deste artigo.